Abril Abriu

Esta história fictícia é meramente fruto da imaginação deste autor. Toda e qualquer semelhança com a realidade pode ser pura coincidência. Ou não. 😉

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Era uma noite chuvosa de sexta. De repente Carlos cai em si e percebe que estava mais uma vez solitário em um balcão de bar de uma casa de shows, mesmo rodeado por centenas de pessoas errantes, desconhecidas e alegres. Só que desta vez em uma cidade também desconhecida a milhares de quilômetros de onde viera. O whisky em suas mãos já estava aguado, o gelo havia derretido depois de tanto tempo em devaneio. Carlos divagava para tentar atinar o que o levara lá. Não foi tão difícil, afinal aquilo já vinha soando forte e latente no peito e na mente dele há semanas.

Ele arriscou muitas coisas para estar lá, arriscou a própria felicidade em prol de um pouco de acalanto para seu coração que talvez durasse segundos. Depois de mais de quinze horas de viagem quase sem paradas, mesmo esgotado e cansado ele estava lá firme e esperançoso buscando apenas um olhar. Um único olhar. Aqueles olhos cor de avelã que Carlos tinha plena convicção de que, ao avistá-los, traria euforia, alegria, calma e um pouco de pesar.

Enquanto tateava os bolsos em busca de algum dinheiro para mais bebidas, no bolso da camisa ele encontra um envelope mal dobrado e um pouco amassado. Lembrou-se: ali estava uma carta que ele escrevera para a dona daqueles olhos. Um envelope que em algum momento de pequeno arrependimento durante a viagem, que quase fora descartado no lixo, com a carta dentro. Ele ainda cogitava se valeria o risco entregar aquele envelope pessoalmente, pois as palavras escritas naquela carta não são das que se diz a qualquer pessoa, mas somente quem tem passe livre no coração e tocam a alma.

Carlos não via, mas ele sentia: ela estava lá naquele noite. Em algum lugar por ali. E novamente ele caiu em devaneio: “o que eu faço aqui? Por que eu vim? Estamos há uma semana sem nos falarmos, será que ela pensa em mim ainda tanto quanto penso nela? Ela não sabe que estou aqui, como irá reagir”? Medo. Ansiedade. Eram os sentimentos que inundavam aquele ser, juntamento com o whisky que bebia. Medo da incerteza, medo de ela reagir mal a essa surpresa. Ansiedade para vê-la pessoalmente e conferir que aquela mulher é que faz o coração dele vibrar.

A noite seguia e ele procurava, e esperava. E pensava e lembrava. E sorria. E sentia. E ao mesmo tempo se arrependia e temia. E se entristecia. E chorava. E sentia de novo. Carlos não sabia como, apenas sabia, que aquela certamente era a mulher da sua vida. Ele finalmente havia encontrado alguém compatível consigo, tão maluca quanto ele, exagerada, simpática, inteligente, linda, sonhadora e uma mãe maravilhosa. Ele não poderia deixar escapar assim tão facilmente. Dias antes, eles haviam vivido um pequeno infinito de sonhos, amor, reciprocidade e felicidade, mas esse castelo de areia que eles construíram desmoronou depois que ela foi forçada a aceitar e viver uma situação, por estar sob chantagem relacionada ao que há de mais valioso para qualquer um no mundo.

E nisso é que residia o medo de Carlos naquela noite. Ele não queria ser um agravante. Pelo contrário, a vontade dele é de abraçá-la e mostrar que o mundo é muito mais que isso. É saber que, mesmo estando calejada do passado, com ele ela não teria que se preocupação. É trazer, paz, calma e tranquilidade para o coração de ambos. É trazer felicidade para ela. Porém isso não depende apenas dele. O afastamento pelo qual eles tiveram que passar só fizeram-no acreditar ainda mais que esse sentimento durará para sempre, mesmo depois que todos os seres humanos voltaram ao pó, mesmo depois que o Sol se apagar porque isso não fica gravado em nada que seja tátil. Está relacionado à alma, que é o que preenche as pessoas de fato. Não existe a possibilidade de ser normal o fato de, mesmo sem se falarem, ela ser a pessoa em quem ele pensa desde que acorda até quando dorme e acaba sonhando de novo, com quem ele quer estar, de quem ele quer cuidar. Para toda a vida, para todo o sempre.

Horas passaram e a madrugada chegou. Todos esses pensamentos não saíam da cabeça de Carlos e o deixavam ainda mais nervoso. Enquanto ele, cabisbaixo, rasgara o envelope para ler a carta novamente, ouve uma voz familiar há alguns metros de distância. E então o tempo desacelerou, quase parando. Seus ouvidos ficaram tampados, a boca muda. Ele levantou a cabeça e a viu, atrás do balcão em que ele estava, mas do outro lado. Linda. Os cabelos sobre os ombros e sorrindo enquanto falava alguma coisa para um colega de trabalho, algo que ele não conseguiu entender, tamanho estado de encantamento em que ele estava. Depois daqueles milésimos de segundos de uma sensação de “borboletas na barriga”, aquela sensação que só aquela pessoa causa. E então o tempo volta à velocidade normal. Barulho de vidro quebrando. Ele acabara de derrubar o copo que só tinha gelo. Sem querer, chamou a atenção de todos ao redor, e a dela por consequência. Enquanto ele se preocupava em juntar os cacos para ninguém se ferir, uma mão de toque leve e macio pegou a sua. Quando ele viu, ela se aproximara e assim que seus olhos se encontraram, ela perguntou com um olhar chateado e preocupado ao redor:

– O que você está fazendo aqui?
– Eu vim ver como está meu coração já que ele ainda está com você… E para te entregar isto. – Respondeu Carlos, sem jeito, sorrindo bobo de lado, estendendo a carta amassada com o envelope rasgado.
– Só isso?
– Si…não. Eu queria que houvesse um modo fácil de dizer tudo isso, mas não há. Aqui não é lugar e agora nem é hora para isso, mas eu não te esqueço. Essas distâncias, real e virtual, estão me matando. Eu vou me mudar, quero estar perto, quero estar aqui. Por você, para você. Eu estou apaixonado e quero cuidar de você dentro do que for possível, dada a atual situação. Isso vai durar muito além da minha vida e da sua. Não é algo que eu simplesmente consigo apagar e esquecer. Você é especial para mim. Está tudo escrito na carta. – Respondeu com a voz trêmula.

Ela abriu o extenso sorriso lindo que tem, o coração dele já saltava pela boca e descobriu que aquele sorriso o faz perder o chão. Uma lágrima escorreu no olho esquerdo dela. Ele a enxugou e dado o silêncio que durou alguns segundos, ele pergunta e continua falando:

– O que houve? Se você quiser que eu vá embora, eu vou. Destruído, mas vou. Desejando a sua felicidade até o fim, mesmo que eu não faça parte disso. Mesmo que eu não possa ajudar nisso. Eu vim para provar e comprovar o que eu sinto por você que é real, latente, indescritível e irracional.
Então ela responde com a voz tranquila, dando dois tapinhas de leve na mão dele que ela ainda segurava:
– Acho melhor você ir embora, então.

O mundo caiu. Ela se afasta para atender as demais pessoas. Carlos se afasta do balcão, paga a conta, deixa o local e segue para o hotel sentindo como se uma montanha estivesse sobre seus ombros, dados o cansaço e também a dor no peito. Chorando, ele chega no quarto, se perguntando o que aconteceu. Tira os sapatos e calça, abre a camisa e se joga na cama. Ele sabe que aquela noite seria uma longa noite de tristeza, se não fosse o cansaço extremo da viagem. Com a chuva leve batendo na janela e o vento sibilando pela fresta, ele adormece, com o peito doendo, os olhos inchados, triste, porém tranquilo e feliz pelos poucos momentos de alegria que ele teve ao passar aqueles segundos conversando com ela.

O dia logo amanhece, o celular toca bem ceda, número desconhecido. Ele não queria atender, imaginando ser a empresa em que trabalha, querendo saber dele. A dor de cabeça lancinante que estava passa quando ouve a mesma voz tão familiar, agora chorosa, que fez o tempo parar na noite anterior e novamente naquele momento:
– Eu a li. Você ainda está por aqui? Eu gostaria de conversar… Vamos tomar um café?

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